A Lenda do Cavaleiro Verde: a coragem de “perder a cabeça” para mudar
Desde a adolescência, as lendas do ciclo arturiano fazem parte da minha estante. Mas foi a adaptação cinematográfica A Lenda do Cavaleiro Verde (2021 — disponível na Prime Vídeo), do diretor David Lowery, que me levou para reflexões. Ela veio justamente quando começava a elaborar o meu TCC a respeito do segmento cervical e o medo da mudança e quase virou o tema principal.
Este é, para mim, um segmento de grande impacto bem interessantesna clínica, pois, além da resistência a mudanças, também aborda a desconexão entre a mente e o corpo e a nossa dificuldade de entrega ao fluxo da vida – o que irá impactar seriamente a nossa potência orgástica.
A história de Sir Gawain não é apenas um conto de cavalaria; é um mapa para a jornada interior que todos nós, em algum momento, somos convidados a trilhar.
O desafio do Cavaleiro Verde: um convite à transformação
Baseado no poema medieval inglês “Sir Gawain e o Cavaleiro Verde”, a trama se inicia na corte de Camelot durante um banquete de Ano Novo — existe até uma versão escrita por Tolkien, em inglês.
Em meio a uma ceia com toda a Távola Redonda reunida, um ser enigmático e colossal, o Cavaleiro Verde, surge e propõe um “jogo”: qualquer cavaleiro pode desferir um golpe de machado contra ele, com a condição de que, um ano e um dia depois, receba o mesmo golpe em troca.
Sir Gawain (no filme, Dev Patel), sobrinho do Rei Arthur e ansioso por provar seu valor, aceita o desafio e decapita a figura misteriosa. Para o espanto de todos, o Cavaleiro Verde se levanta, recolhe sua própria cabeça e o lembra do acordo, marcando um encontro na Capela Verde.
Este ato inicial não é somente um desafio de honra, mas um poderoso símbolo. O Ano Novo representa a transição, e o Cavaleiro Verde, com sua cor ligada à natureza e à renovação, personifica as forças indomáveis da vida, da morte e do renascimento.

A trajetória de Gawain: confrontando o medo da morte e da mudança
Assim começa a história particular de Gawain — alguém cansado de ser reconhecido apenas por ser o sobrinho do rei e, de certa forma, invejo dos grandes feitos de seu tio e outros cavaleiros. O verdadeiro desafio não está no combate físico, de fato, mas no confronto com o desconhecido, que é, em essência, o medo da morte.
Gawain parte para a Capela Verde carregando o peso das expectativas. Sua armadura não é apenas física; é uma couraça narcísica, o ideal do “eu” perfeito e honrado que ele acredita que precisa ser.
No entanto, a missão o força a confrontar sua própria vulnerabilidade. Ele não sabe se a morte o aguarda ou se tudo é um teste. E é precisamente essa incerteza que o leva a uma profunda transformação. A verdadeira prova de coragem não é enfrentar o machado, mas aceitar a própria finitude e renunciar à necessidade de controle.

“Off with Your Head”: o duplo Sentido de perder a cabeça
No clímax da adaptação de David Lowery, após uma visão de como sua vida seria se fugisse do destino, Gawain finalmente se ajoelha e se rende. O Cavaleiro Verde, então, pronuncia a frase enigmática: “Well done, my brave knight. Now… off with your head.”
A genialidade está na ambiguidade. A frase pode significar:
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Literalmente: “Agora… corte sua cabeça”, e ele cumpre o acordo.
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Simbolicamente: “Agora… leve sua cabeça embora”, sugerindo que ele abandone suas velhas crenças, seu ego e sua mente racional para partir com uma nova consciência.
É aqui que a história transcende o mito e toca em uma verdade psicológica universal. Para mudar, para nos transformarmos, precisamos “perder a cabeça”. Precisamos abandonar a tirania do pensamento, do planejamento excessivo e do controle, e nos reconectarmos com o corpo, com o sentir, com a intuição.
A conexão com o corpo: o Segmento Cervical e a resistência
Por que essa história de decapitação ressoa tanto com a minha prática clínica e o segmento cervical? O pescoço é a ponte física e simbólica entre a cabeça (o pensamento, o racional) e o resto do corpo (o sentir, a emoção, a ação).
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Tensão no pescoço: Frequentemente, a rigidez e a dor crônica no pescoço refletem uma resistência profunda. É o corpo dizendo “não” para uma mudança que a mente teme. É o medo de “perder a cabeça”, de abrir mão de quem achamos que somos.
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Desconexão cabeça-corpo: Vivemos em uma cultura que supervaloriza o intelecto. Essa desconexão nos torna “dessensibilizados”, incapazes de ouvir a sabedoria do corpo e, muitas vezes, acessar o prazer.O verdadeiro rito de passagem de Gawain é sobre reintegrar essas duas partes.
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Render-se ao machado: Aceitar o “golpe” do Cavaleiro Verde é o mesmo que relaxar o pescoço e permitir que a cabeça se renda ao corpo. É aceitar que a vida (e a morte, e a mudança) é um ciclo maior do que nosso ego.
Conclusão: a coragem de se render
A Lenda do Cavaleiro Verde nos ensina que a verdadeira honra não está em nunca sentir medo, mas em seguir em frente apesar dele. A história de Gawain nos mostra que a transformação mais profunda exige um ato de rendição.
Seja enfrentando um gigante verde ou uma mudança de carreira, um término de relacionamento ou uma crise existencial, o convite é o mesmo: ter a coragem de “perder a cabeça” para encontrar a si mesmo.
Gostou dessa análise? Este artigo é baseado em um trecho do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre o segmento cervical e o medo da mudança. Muita coisa mudou desde então, por isso quis deixar aqui este registro. Em breve, o trabalho completo estará disponível para download aqui no site. Deixe seu comentário abaixo: você já assistiu ao filme ou leu o poema? Como essa aventura mexeu com você?
Marcelo Ivanovitch
Terapeuta Reichiano
Atendimentos presenciais no Rio de Janeiro e online para todo o Brasil